sexta-feira, 6 de julho de 2007

Aos publicitários (Bom texto)

Discurso de Livio Rangan publicado na Revista Propaganda em 1976 : o ponto alto na festa do Prêmio Colunistas como Publicitário do Ano

Escolhido, ou melhor, surpreendido, com o título de “Publicitário do Ano”, minha primeira reação psicológica foi: “Será que eu mereço?” E a segunda, paradoxalmente, menos vaidosa por ser mais profunda: “Deus do céu, e se eu merecer?” Porque isso? Porque depois de meio século de domínio absoluto dos meios de comunicação, quando a publicidade saiu do limbo da ingenuidade e do amadorismo para se transformar numa instituição altamente profissional densamente sofisticada e política e economicamente poderosa, temos que encarar o fato, hoje mais visível do que nunca, de que nos foi imposta uma espécie de má consciência, pois, a propaganda tem inimigos altamente respeitáveis e tão poderosos quanto ela: os filósofos da antipropaganda.

Respeitáveis, sim. Por isso, talvez eu tenha empregado erradamente a palavra inimigos: talvez sejam nossos melhores amigos. É isso. Devemos incorporá-los, lendo-os com atenção, assimilando com respeito as suas criticas, aceitando-os como auxiliares de nossa autocrítica, que o prestígio e a força de nossa profissão nos põe em risco de perder. Pois, só aceitando a certeza de que nós, os publicitários, também podemos receber uma publicidade desfavorável, estaremos em condições de estender as mãos para um prêmio, sem a dúvida fatal: “Deus do céu, e se eu merecer?”

Assim, ao invés de admitirmos que a Publicidade pode tudo, creio que o negócio é manter a cabeça lúcida a ponto de sempre nos perguntarmos: até onde podemos ir? Até onde podemos ostentar a vaidade evidente de uma profissão que intelectual e artística, social e econômica, pragmaticamente se exerce com o evidente sentimento de sua importância e a fatuidade de quem parece conter a todo o instante a vontade de repetir sobre si próprio: “Pela primeira vez na história, os gênios estão devidamente pagos!?”

Por outro lado, até onde devemos nos torturar com a idéia de que estamos fazendo pouco pelo bem público e que não sabemos traçar os limites do mal, ao aceitarmos indiscriminadamente qualquer produto, qualquer instituição, qualquer facção transformando nossa profissão numa busca destruidora da aquiescência total, funcionando como uma espécie de lavagem cerebral que, mesmo não sendo política, já é bastante perniciosa em seu uso meramente comercial?

Até onde, ao invés de usar nossos poderosos veículos para sua suprema utilidade, aquilo que nos daria uma definitiva paz de espírito, a certeza que escolhemos esta atividade pelo principio filosófico de que “o mérito, também tem que ser divulgado”, “a virtude não pode ficar esquecida entre quatro paredes”, “a modéstia não faz propaganda de si mesma e tem que ser divulgada à revelia”, até onde, repito, em vez disso, estamos apenas servindo de intermediários altamente especializados para um imenso estupro psicológico, o maior da história.

Linconl, sem que sua intenção fosse essa, nos deu um grande principio publicitário: “pode-se enganar todas as pessoas algum tempo, pode-se enganar algumas pessoas todo o tempo, mas não se pode enganar todas as pessoas todo o tempo”. Nós os publicitários , sabemos muito bem que não se pode dizer a todas as pessoas todo o tempo que o preto é branco. Mas isso é pouco. Sem nenhuma utopia, sem qualquer romantismo, devemos e podemos, também evitar faze-las crer que o preto é cinza. O que temos é que descobrir as excelências, as virtudes do preto, se é que elas existem. Pois, ao contrário do que alguns podem crer, a publicidade é eficiente na proporção em que não anuncia alhos por bugalhos, se é que algum dos senhores jamais soube que diabos vem a ser bulgalhos. Eu vou ensinar aqui o que é bugalhos: é o globo no olho, donde a expressão “de olhos esbugalhados”. Não fiquem humilhados não, eu fui ao dicionário.

O Dr. Goebbels, o homem que verdadeiramente inventou o rádio, que, quando o rádio entrou em todas as casas como um novo móvel descobriu que esse móvel não era apenas decorativo, mas uma arma de alta potência que ele poderia utilizar contra o próprio usuário. Foi ele, Goebbels que, denominando isso de poder de intrusão, e usando até seus extremos limites nos deu, também, sem querer, a lição contrária a de que a propaganda pode ser também, um poder de ilusão, quando não usada devidamente, gerando seus próprios anticorpos capazes de destruir aquilo mesmo que propaga, como fez com o nazismo.

No outro extremo político, cônscio, também, do gigantesco poder de divulgação da tecnologia do inicio do século, Lenine propunha e lançava o seu TSF, a transmissão à distância, usando, pela primeira vez na história, a possibilidade de influir extra-fronteiras com aquilo que a teoria comunista passou a chamar de apostolado sem fio.

Mas antes desses líderes e desses extremos terem se assenhoreado dos conceitos e meios de propaganda, já existia, como modelo e como técnica, como argumento e como ética, a maior e mais bela propaganda jamais feita, tanto em termos de funcionabilidade como, mais importante, em termos de humanidade: o cristianismo.

Pois, nunca houve slogan mais feliz, mais eficaz e mais bem divulgado do que o “Amai-vos uns aos outros”, Nunca houve símbolo secreto de comunicação “semi-ótico”, como se diz hoje, mais eficiente do que o peixe desenhado nos pontos de encontros dos cristãos. E nunca houve logotipo mais belo e apaixonante do que a Cruz.

E foi a Igreja, ainda, que institucionalizou a Propaganda: antes dos Estados, dos sindicatos e dos partidos políticos. O manual intitulado De Propaganda Fide foi, durante muito tempo, um dos instrumentos mais poderosos da política do Vaticano. De Propaganda Fide, isto é: a propagação da fé. E por que não a fé da propagação?

Por que não por a fé na propaganda, para que o Publicitário do Ano – do ano que vem, sentindo que ser publicitário não é vender a sua identidade ao demônio, mas, o legitimo encontro dela com o Bem Público, entre as duas perguntas que me tumultuaram a alma ao receber o prêmio deste ano, possa se perguntar apenas: “Será que eu mereço?”.

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